terça-feira, 12 de agosto de 2014

A economia brasileira entre os aplausos e as críticas



Por Ricardo Barboza
Nos últimos anos, a polarização tem sido a marca do debate econômico no Brasil. Para o governo, só existem rosas. Para a oposição, somente espinhos.
Tal disputa decorre, em parte, dos resultados apresentados pela nossa economia, que são ao mesmo tempo interessantes e perigosos. De um lado, temos a queda do desemprego, o aumento dos salários reais (ou seja, acima da inflação) e a melhora na distribuição da renda. De outro, temos custos unitários do trabalho crescentes, inflação aumentando e indústria perdendo competitividade. Vejamos em detalhes.
A taxa de desemprego vem se reduzindo desde 2004 no Brasil. Passou de um patamar de 13,1% em abril de 2004, para 4,9% em abril de 2014, último dado disponível, o que representa a menor taxa de desemprego para este mês desde o início da série histórica da Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do IBGE.
Queda do desemprego e redistribuição da renda geram efeito colateral indesejado se pensarmos para além do curto prazo.
À medida que a taxa de desemprego se reduz, os salários tendem a subir. O rendimento médio real efetivo cresceu cerca de 3,3%, em média, entre 2004 e 2013. Isto ocorre por vários motivos. Dentre eles, por um maior poder de barganha dos trabalhadores, afinal, quanto mais escasso é o fator trabalho, maior é o seu poder de negociação frente às empresas. A política salarial do governo (regra de reajuste do salário mínimo) também afeta positivamente a evolução dos salários.
Quando o salário real cresce acima da produtividade do trabalho, uma mudança ocorre na distribuição funcional da renda, na direção de aumentar a participação dos salários. Algebricamente é fácil mostrar que a participação dos salários na renda pode ser reescrita como a razão entre o salário real e a produtividade do trabalho.
O efeito colateral desse movimento, no entanto, é que ele causa um aumento no custo unitário do trabalho. Com maiores custos, as empresas tendem a repassá-los para os preços – pelo menos as que conseguem, como é o caso daquelas que atuam no setor de serviços, que não têm de lidar com a sombra da concorrência externa.
Não é por outra razão que a inflação de serviços tem rodado sistematicamente acima do IPCA no Brasil. Por exemplo, no acumulado de julho/2006 até maio/2014 (intervalo escolhido por questões metodológicas), a inflação de serviços cresceu 78,7%, enquanto o IPCA acumulou alta de 53,2%. Uma diferença nada modesta, diga-se de passagem.
Não fosse a contenção de determinados preços administrados (basicamente, transportes urbanos, energia e combustíveis), a inflação já teria ultrapassado o teto do intervalo de tolerância do regime de metas para a inflação no Brasil.
Nos setores onde há concorrência internacional, em particular na indústria, o aumento do custo unitário do trabalho se traduz em perda de competitividade. A perda de competitividade afeta mais fortemente os setores com padrão de concorrência baseado em custo. Setores que concorrem por inovação e/ou diferenciação de produtos não sofrem tão duramente o golpe dos custos – embora também sofram em algum grau.
Dentre outras consequências, a perda de competitividade implica uma elevação das importações líquidas, o que ajuda a deteriorar o déficit em transações correntes do país.
Resultado: o processo de queda do desemprego e de redistribuição funcional da renda, inegavelmente positivo, gera efeitos colaterais indesejados, e também perigosos se pensarmos para além do curto prazo. Dependendo de como seja administrada a política econômica, corre-se o risco de levarmos a inflação para um patamar indesejado e também de aprofundarmos a piora das contas externas. Ou seja, a política econômica tem papel crucial e um ajuste fino deve ser perseguido.
Se formos um pouco além no raciocínio exposto, e também se recorrermos aos dados do mercado de trabalho, perceberemos que não apenas a distribuição funcional da renda tem melhorado no Brasil, mas também a distribuição pessoal da renda. Na verdade, as duas dinâmicas estão umbilicalmente conectadas, como veremos a seguir.
A taxa de desemprego média dos trabalhadores com menos de 8 anos de instrução é a menor dentre todos os grupos de escolaridade. Segundo os dados da PME, em abril de 2014, a taxa de desemprego de pessoas com menos de 8 anos de instrução era de 3,8%, enquanto a de pessoas entre 8 e 11 anos de instrução era de 7,0% e a de pessoas com mais de 11 anos, de 4,6%. Este padrão se repete de 2004 para cá.
A maior escassez de mão de obra pouco qualificada gera um aumento de rendimentos que é mais intenso nos degraus inferiores da escala distributiva.
Este é um dos fatores por trás da redução do índice de Gini na economia brasileira. Tal índice, que varia entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo de 0, mais igualitária é a distribuição da renda, tem caído sistematicamente (a rigor, desde antes de 2004), tendo passado de 0,547 em 2004 para 0,498 em 2012.
Não por acaso também que, entre 2004 e 2012, segundo a Pnad, os indivíduos com rendimento que se encontravam entre os 10% mais pobres da População em Idade Ativa tiveram aumentos reais acumulados de 67%, em contraste com o menor incremento real do rendimento dos 10% mais ricos, de cerca de 21%.
Em síntese, é verdade que a economia brasileira tem apresentado bons resultados em termos de taxa de desemprego, salário real e distribuição de renda. Todavia, também é verdade que a inflação incomoda, que a perda de competitividade acontece e que o PIB cresce pouco. Qual é sustentabilidade, digamos, desse modelo? Economistas do governo costumam argumentar pelos benefícios. Os da oposição, pelos custos. (grifo nosso)
Entre aplausos e críticas caminha a nossa economia. Tomara que não tropece.
Ricardo de Menezes Barboza é economista do BNDES e do grupo de conjuntura econômica do IE/Coppead-UFRJ. Professor de macroeconomia da Coppead. Este artigo não reflete necessariamente a posição do BNDES.
Fonte: Valor Econômico

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